sexta-feira, 28 de abril de 2017

OS OITO CADÁVERES DO CASO CELSO DANIEL E O PAPEL DE CADA UM

Ou o caso Celso Daniel é uma tramoia muito bem urdida ou e uma das maiores somas de coincidências do mundo... E com detalhes um tanto espantosos

A questão de fundo de parte da nova fase da Operação Lava Jato é o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, que foi sequestrado e apareceu morto no dia 18 de janeiro de 2002. Era, então, o coordenador da pré-campanha de Lula à Presidência.
Desde aquele dia, tem-se uma fila imensa de cadáveres e poucas respostas. A tese do Ministério Público é a de que Celso foi vítima de um crime de encomenda, desdobramento de um esquema instalado na própria prefeitura, coordenado por ele, destinado a desviar recursos para o PT. Membro do grupo, Sérgio Sombra, amigo pessoal do prefeito, é acusado de ser o mandante.
Até agora, o único condenado é Marcos Roberto Bispo dos Santos, o Marquinhos. O julgamento aconteceu no Fórum de Itapecerica da Serra. Adriano Marreiro dos Santos, seu advogado, diz que seu cliente confessou sob tortura. O Ministério Público reuniu evidências de que ele dirigiu um dos carros que abalroaram a picape em que Celso estava, encomendou o roubo de outro veículo que participou da operação e conduziu a vítima da favela Pantanal, em Diadema, para Juquitiba, onde foi assassinada.
Bruno Daniel, um dos irmãos de Celso, afirma que, no dia da missa de sétimo dia, Gilberto Carvalho confessou que levava dinheiro do esquema montado na prefeitura para a direção do PT. Carvalho lhe teria dito que chegara a entregar R$ 1,2 milhão ao então presidente do partido, José Dirceu. Carvalho e Dirceu negam.
Bruno e sua família chegaram a se exilar na França por causa das ameaças de morte e receberam o estatuto oficial de refugiados. Francisco, o outro irmão, também teve de se mudar de São Paulo e vive recluso. Eles não aceitam a tese de que o irmão foi vítima de crime comum.
O ressentimento de Bruno – ele e a mulher eram militantes do PT – com o partido é grande. Ele acusa os petistas de terem feito pressão para que a morte fosse considerada crime comum. Outro alvo seu é o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, então deputado federal pelo partido.
Greenhalgh acompanhou a necropsia do corpo e assegurou à família que Celso não tinha sido torturado, o que foi desmentido pelo legista Carlos Delmonte Printes em relato feito à família. A tortura é um indício de que os algozes do prefeito queriam algo mais do que sequestrá-lo para obter um resgate, o que nunca foi pedido.
Por que Greenhalgh afirmou uma coisa, e o legista, outra? Difícil saber: no dia 12 de outubro de 2005, Printes foi encontrado morto em seu escritório. A perícia descartou morte natural e não encontrou sinais de violência. A hipótese de envenenamento não se confirmou. Não se sabe até agora o motivo.
Todos os mortos
A lista de mortos ligados ao caso impressiona. Além do próprio Celso, há mais sete. Um é o garçom Antônio Palácio de Oliveira, que serviu o prefeito e Sérgio Sombra no restaurante Rubaiyat em 18 de janeiro de 2002, noite do sequestro. Foi assassinado em fevereiro de 2003. Trazia consigo documentos falsos, com um novo nome. Membros da família disseram que ele havia recebido R$ 60 mil, de fonte desconhecida, em sua conta bancária. O garçom ganhava R$ 400 por mês. De acordo com seus colegas de trabalho, na noite do sequestro do prefeito, ele teria ouvido uma conversa sobre qual teria sido orientado a silenciar.
Quando foi convocado a depor, disse à polícia que tanto Celso como Sombra pareciam tranquilos e que não tinha ouvido nada de estranho. O garçom chegou a ser assunto de um telefonema gravado pela Polícia Federal entre Sombra e o então vereador de Santo André Klinger Luiz de Oliveira Souza (PT), oito dias depois de o corpo de Celso ter sido encontrado. “Você se lembra se o garçom que te serviu lá no dia do jantar? É o que sempre te servia ou era um cara diferente?”, indagou Klinger. “Era o cara de costume”, respondeu Sombra.
Vinte dias depois da morte de Oliveira, Paulo Henrique Brito, a única testemunha desse assassinato, foi morto no mesmo lugar com um tiro nas costas. Em dezembro de 2003, o agente funerário Iran Moraes Rédua foi assassinado com dois tiros quando estava trabalhando. Rédua foi a primeira pessoa que reconheceu o corpo de Daniel na estrada e chamou a polícia.
Dionízio Severo, detento apontado pelo Ministério Público como o elo entre Sérgio Sombra, acusado de ser o mandante do crime, e a quadrilha que matou o prefeito, foi assassinado na cadeia, na frente de seu advogado. Abriu a fila. Sua morte se deu três meses depois da de Celso e dois dias depois de ter dito que teria informações sobre o episódio. Ele havia sido resgatado do presídio dois dias antes do sequestro. Foi recapturado.
O homem que o abrigou no período em que a operação teria sido organizada, Sérgio Orelha, também foi assassinado. Outro preso, Airton Feitosa, disse que Severo lhe relatou ter conhecimento do esquema para matar Celso e que um “amigo” (de Celso) seria o responsável por atrair o prefeito para uma armadilha.
O investigador do Denarc Otávio Mercier, que ligou para Severo na véspera do sequestro, morreu em troca de tiros com homens que tinham invadido seu apartamento. O último cadáver foi o do legista Carlos Delmonte Printes. Perderam a conta? Então anote aí:
1) Celso Daniel : prefeito. Assassinado em janeiro de 2002.
2) Antônio Palácio de Oliveira: garçom. Assassinado em fevereiro de 2003.
3) Paulo Henrique Brito: testemunha da morte do garçom. Assassinado em março de 2003.
4) Iran Moraes Rédua: reconheceu o corpo de Daniel. Assassinado – dezembro de 2003.
5) Dionízio Severo: suposto elo entre quadrilha e Sombra. Assassinado – abril de 2002.
6) Sérgio Orelha: amigo de Severo. Assassinado em 2002.
7) Otávio Mercier: investigador que ligou para Severo. Morto em julho de 2003.
8) Carlos Delmonte Printes: legista encontrado morto em 12 de outubro de 2005.

Todas as mortes do caso Celso Daniel

Além do ex-prefeito de Santo André, assassinado em janeiro de 2002, sete homens ligados ao caso morreram

Acusado de encomendar a morte do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel, Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, morreu nesta terça-feira após uma longa batalha contra o câncer. Assim que a notícia veio à tona, teorias da conspiração começaram a surgir nas redes sociais levantando dúvidas sobre a causa da morte. Sombra estava internado há cinco dias e se tratava de uma grave doença – nada há de misterioso, portanto, em sua morte. Mas, como em um romance policial, o crime contra Celso Daniel foi de fato seguido por outras sete estranhas mortes que podem ter relação com o caso. Relembre-as a seguir:


PT já cogita possível condenação de Lula


Ricardo Galhardo ,
O Estado de S.Paulo
27 Abril 2017 | 05h00
As novas suspeitas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusado de corrupção por ex-executivos de empreiteiras, fez com que o PT passasse a incluir em suas análises internas do cenário político e discussões sobre estratégias a possibilidade concreta de não contar com o seu líder máximo na disputa eleitoral de 2018. O receio é que uma condenação em segunda instância na Operação Lava Jato o torne inelegível com base na Lei da Ficha Limpa.

Foto: Dida Sampaio/Estadão
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
A reação do PT às novas suspeitas é reforçar o empenho na defesa de Lula tanto nas ruas quanto nas redes sociais. Ninguém no partido ousa questionar ou cobrar explicações do ex-presidente. 
Lula é visto no PT como alvo de perseguição da Lava Jato e vítima de uma campanha para impedir sua candidatura em 2018. Mas, com a divulgação dos depoimentos da Odebrecht e a delação do empreiteiro José Adelmário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro, da OAS, a possibilidade de condenação de Lula, antes vista como remota, ganhou novo status.
Líderes petistas avaliam que mesmo que as novas acusações não sejam confirmadas com provas materiais, elas engrossam o caldo das chamadas “provas indiciárias” (com base em indícios) que poderiam sustentar, pelo volume, um pedido de condenação de Lula com base na teoria do domínio do fato, usada para levar José Dirceu à prisão no mensalão.
Lula é alvo de seis pedidos de abertura de inquéritos enviados pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), à primeira instância da Justiça Federal com base nas delações da Odebrecht. 
Na semana passada, Léo Pinheiro disse, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, que Lula pediu a destruição de provas e seria o verdadeiro dono do triplex no Guarujá que está em nome da OAS. Além disso, o ex-presidente é réu em outros cinco processos relacionados à Lava Jato. 
Cenário. Embora a ordem seja sair em defesa de Lula, no PT já se fala em um cenário no qual ele seria um grande cabo eleitoral transferindo votos para outro candidato. Uma das possibiliaddes é o partido indicar um nome para ser vice na chapa de Ciro Gomes (PDT). O mais citado é o do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. 
Para o PT, o conteúdo da lista de Fachin e a delação de Pinheiro não afetam o eleitorado cativo do partido, mas afastam eleitores que estavam se convencendo a voltar a votar em Lula por causa de políticas impopulares do governo Michel Temer. Além disso, dificultam o discurso da militância em defesa do ex-presidente. 
As saídas são a mobilização popular em defesa do petista e a criação de uma narrativa favorável a Lula. Por isso o ex-presidente vai pedir a Moro que o depoimento marcado para o dia 10 de maio, em Curitiba, seja transmitido ao vivo. Lula diz a pessoas próximas que está convencido de que vai “engolir” Moro devido à falta de provas sobre o apartamento no Guarujá. 
Quase nenhum petista ouvido pelo Estado concordou em falar sobre o assunto sem pedir anonimato. Para o ex-prefeito de Porto Alegre Raul Pont, integrante do Diretório Nacional do PT, Lula é alvo de um processo “tão tendencioso que não resta outro caminho que não a solidariedade e a defesa”. Ele avalia, no entanto, que a difusão das acusações causaram “um estrago no PT na opinião pública”. “O ódio, isso foi alcançado”, disse ele, que admite a possibilidade de Lula não ser candidato no ano que vem.

Política

Reforma Trabalhista

Por pressão dos patrões, Temer pode vetar fim da contribuição sindical

por Renan Truffi publicado 24/04/2017 20h49, última modificação 24/04/2017 21h09
Entidades como Fiesp, CNI e CNC são contra extinção da taxa; proposta retira R$ 500 milhões do Ministério do Trabalho
Agência Brasil
skaf-planalto
Pressão da CNI e da Fiesp podem barrar fim da contribuição sindical.
A Câmara dos Deputados deve levar a Plenário, nesta semana, o tema da reforma trabalhista, o PL 6787. Sob fortes críticas, o substitutivo do relator Rogério Marinho (PSDB-PE) tem como um de seus pontos mais polêmicos o fim da contribuição sindical obrigatória, prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A medida é vista como uma forma de enfraquecer sindicatos e centrais sindicais que representam os trabalhadores, mas pode ser vetada pelo presidente Michel Temer. A boa ação não tem nada a ver com a greve geral de 28 de abril. Se for barrada, será por pressão de entidades patronais, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Isso porque, assim como as centrais sindicais dos trabalhadores, Fiesp, CNI e outras entidades patronais também recebem recursos da contribuição sindical. Apenas em 2016, foram 777 milhões destinados aos representantes dos patrões, segundo dados do Ministério do Trabalho. O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, é uma das vozes que têm se manifestado contra a extinção da taxa e fez sua opinião chegar ao Palácio do Planalto. Mais do que isso. No último mês de março, Andrade foi pedir, pessoalmente, ao presidente do Senado (PMDB-CE) a votação do PLC 61/2016, que atualiza a base de cálculo da contribuição sindical patronal.
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Braga, da CNI, fez sua opinião chegar ao Palácio do Planalto. (Agência Brasil)
Andrade ainda enviou uma contraproposta ao Planalto: a CNI aceita o fim da contribuição em um prazo de 10 anos. Por essa razão, Temer prometeu ao deputado Paulinho da Força (SD-SP) que vai vetar a medida, caso ela seja aprovado no Congresso. A questão também foi assunto de um almoço entre o relator Rogério Marinho e o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, em São Paulo. Segundo informou o jornal Valor Econômico, Skaf transmitiu ao parlamentar a insatisfação de alguns sindicatos filiados com essa medida. Apesar do almoço, Marinho confirmou que o objetivo é acabar com a maioria das entidades existentes no Brasil.
“A ideia é exatamente essa [acabar com sindicatos que não são sérios], que são a maioria. As exceções, eu faço questão de colocar, são os sindicatos sérios: que fazem as convenções e os acordos, que promovem as negociações, que representam seus associados tanto no laboral quanto no patronal”, disse. “Mas a grande maioria são de sindicatos que não têm representatividade, existem para recepcionar esse fundo que é dado de maneira dadivosa, sem fiscalização, com o caráter de tributo porque é obrigatório.
E isso não atinge apenas a indústria.  Outra grande entidade contra a proposta é a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que recebe a contribuição das empresas do comércio. A CNC tem conversado com centrais ligadas aos trabalhadores, como a União Geral dos Trabalhadores (UGT), para se articular contra o fim do imposto.
“Há várias falácias trazidas nesse debate [da reforma trabalhista] pelo Rogério Marinho, que não teve nem a capacidade de escrever. Na verdade, ele pegou algum material empresarial e colocou isso como uma reforma trabalhista. A contribuição sindical garante um assistencialismo que o Estado não tem condição de dar. Para você ter uma ideia, em 2016, atendemos 213 mil pessoas em clínicas odontológicas do sindicato”, critica o presidente da UGT, Ricardo Patah. “Então é um absurdo o que tem sido feito, é um desmonte da estrutura sindical. É realmente precarizar e trazer prejuízos enormes aos trabalhadores. A ideia é acabar mesmo com os sindicatos”. Segundo Patah, 80% dos recursos da UGT é proveniente da arrecadação junto aos sindicatos filiados e trabalhadores.
De acordo com informações do Ministério do Trabalho, o Brasil tem hoje 16,5 mil sindicatos, sendo 11,3 mil dos trabalhadores e 5,1 mil dos patrões. Em 2016, a contribuição sindical gerou um montante de 3,5 bilhões de reais. A maior parte ficou com os sindicatos dos trabalhadores, que recebeu 2,1 bilhões de reais. As entidades patronais receberam os outros 777 milhões de reais, no mesmo ano, mencionados acima.
No entanto, extinguir a contribuição sindical significa cortar receita do próprio governo em tempos de crise econômica. Dos R$ 3,5 bilhões arrecadados com a contribuição, aproximadamente 582 milhões vão direto para o Ministério do Trabalho. Esse diagnóstico fez até o ministro responsável pela pasta, Ronaldo Nogueira (PTB-RS), criticar a proposta. Outrora responsável por impedir a divulgação da Lista Suja do Trabalho Escravo, ele agora se surpreende com o atropelo na condução do tema.
“Não houve a discussão no que diz respeito à contribuição sindical. É coerente por parte do governo no sentido de não surpreender o trabalhador com pontos novos além daqueles que foram construídos como consenso”, disse a jornalistas durante passagem pela Câmara dos Deputados.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT), ligado ao PT, também enxerga na proposta um duro golpe à representação dos trabalhadores no Brasil. Cerca de 50% dos recursos da entidade têm origem no imposto sindical. “Isso é para inviabilizar totalmente as entidades sindicais. Sem grana, não tem como fazer mobilização, greves, atos, manifestação. E tem a vida sindical. Como você vai atender a categoria sem condições?”, questiona o secretário nacional de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle.
Renan Truffi


Paradas, obras da ferrovia Transnordestina são retrato do descaso

Ferrovia que prometia mudar a vida de pessoas em três estados segue sem prazo de conclusão, após mais de dez anos de obras.

Obra da ferrovia Transnordestina se arrasta há dez anos
Obra da ferrovia Transnordestina se arrasta há dez anos
O descaso se encontra no município de Salgueiro, no sertão de Pernambuco. É ali, não muito longe do centro da cidade, que duas obras bilionárias, anunciadas como promessas de um desenvolvimento que ainda não veio, se entrelaçam. Os trilhos da ferrovia Transnordestina passam por sobre o canal da transposição do Rio São Francisco. Uma obra para integrar e fortalecer a economia do Nordeste. A outra, para vencer a seca. As duas orçadas em mais de R$ 20 bilhões. Ambas paradas.
No caso da Transnordestina, o problema é mais grave. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), o contrato atual da obra previa que a ferrovia deveria ter sido concluída no fim de janeiro. Em uma década, no entanto, apenas 600 quilômetros de trilhos foram colocados de 1.753 da extensão total.
(A partir deste sábado (18), o G1 publica uma série de cinco reportagens sobre a ferrovia Transnordestina. As obras foram iniciadas em 2006 e estão paradas.)
Em Salgueiro, obras da Transnordestina e os canais da transposição do Rio São Francisco se encontram (Foto: Eduardo Ricken/TV Globo) Em Salgueiro, obras da Transnordestina e os canais da transposição do Rio São Francisco se encontram (Foto: Eduardo Ricken/TV Globo)
Em Salgueiro, obras da Transnordestina e os canais da transposição do Rio São Francisco se encontram (Foto: Eduardo Ricken/TV Globo)
No restante do trajeto, que atravessa 35 municípios em Pernambuco, 28 no Ceará e 18 no Piauí, não há nenhum sinal de trabalho em andamento. Foi o que atestou a reportagem do G1, após um giro de mais de 3 mil quilômetros pelos três estados que durou 10 dias.
O ponto de partida é a cidade de Salgueiro, cuja posição estratégica, equidistante de várias capitais do Nordeste, a transformou em epicentro da Transnordestina. É por isso que o município abriga o canteiro industrial da obra. O terreno de 46 hectares tem fábrica de dormentes, pedreira, central de britagem, estaleiro de solda e oficina de manutenção. Tudo parado. Um cenário que persiste pelo menos desde abril do último ano.
Uma imagem aérea do canteiro industrial dá a dimensão do abandono e revela o trecho exato em que Transnordestina e transposição se cruzam. De um lado, correm os trilhos com cinco locomotivas estacionadas. Um espantalho faz as vezes de segurança no posto avançado de vigilância.
Boneco faz o papel de vigia do canteiro de obras da Transnordestina, em Salgueiro, no Sertão de Pernmbuco (Foto: Wagner Sarmento/TV Globo) Boneco faz o papel de vigia do canteiro de obras da Transnordestina, em Salgueiro, no Sertão de Pernmbuco (Foto: Wagner Sarmento/TV Globo)
Boneco faz o papel de vigia do canteiro de obras da Transnordestina, em Salgueiro, no Sertão de Pernmbuco (Foto: Wagner Sarmento/TV Globo)
Em paralelo, corre o canal que promete levar água do Rio São Francisco a 390 municípios castigados pela seca nos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. No ponto de interseção, o canal ainda não foi concretado. O prazo original para a transposição entrar em funcionamento era 2010. O Ministério da Integração Nacional assegura que a obra será concluída este ano.
A Transnordestina, entretanto, tem futuro incerto. No canteiro industrial da obra, o barulho de obra foi substituído por um silêncio que incomoda. Lançada em 2010 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e propalada como a maior do mundo, a fábrica de dormentes – peças de concreto onde são acomodados os trilhos – funciona no local e chegou a produzir 4.800 unidades por dia, com 600 trabalhadores. Hoje, luz apagada, não há ninguém trabalhando.
Pilhas de dormentes, com 366 mil peças fabricadas, o suficiente para 220 quilômetros de trajeto, aguardam a retomada da obra. A gerência de produção industrial garante que os dormentes, mesmo sem uso, não correm risco de degradação, assim como as centenas de trilhos que repousam no parque administrativo. “Eles não estragam. São feitos para durar”, afiança um funcionário sem autorização para conceder entrevista.
No almoxarifado, um retrato contundente de uma obra paralisada: móveis, eletrodomésticos e objetos que ficavam nas casas e apartamentos dos funcionários e que, agora, lotam o galpão silencioso. Ao lado,


Rastro de abandono

De Salgueiro, a ferrovia segue para o porto seco de Eliseu Martins (PI) e para os portos de Pecém (CE) e Suape (PE). Ao longo do percurso, os rastros do esquecimento são visíveis. Mais de 200 vagões foram deixados em cinco pontos diferentes – alguns com britas e dormentes, outros vazios.
Há centenas de trilhos largados nos trechos em que a obra foi interrompida, mato alto, estruturas de concreto rachando, passagens desgastadas pela erosão e máquinas que ficaram pelo caminho e se tornaram um monumento ao descaso com o dinheiro público num empreendimento que custava, inicialmente, R$ 4,5 bilhões e até agora já consumiu R$ 6,3 bilhões. O orçamento atual do projeto é de R$ 11,2 bilhões – o suficiente para construir 28 mil postos de saúde ou 12 mil escolas.
A construção da Transnordestina começou em 2006 e, a princípio, deveria ficar pronta em 2010. No auge, chegou a empregar 11 mil pessoas. Hoje, são 829 trabalhadores, segundo a empresa que tem a concessão da malha até 2057. A maioria, contudo, está de férias forçadas por causa de uma suspensão da obra. Os oito canteiros que existiam foram reduzidos a dois. Nenhum operário foi visto fazendo qualquer serviço na ferrovia.
De acordo com mapa da obra enviado pela Transnordestina Logística, a ferrovia está pronta nos trechos entre Missão Velha (CE), Paulistana (PI) e Custódia (PE). Mas, mesmo onde a construção foi finalizada, os efeitos da paralisação podem ser sentidos. Num raio de 15 quilômetros do canteiro industrial de Salgueiro, vagões enferrujados pelo caminho chamam a atenção de quem passa. A Transnordestina diz que as carruagens passam por manutenção e são constantemente deslocadas para evitar danos.
O terraço da casa de Luciano Bernardino, 36 anos, é uma varanda para o esquecimento das obras da Transnordestina (Foto: Wagner Sarmento/TV Globo) O terraço da casa de Luciano Bernardino, 36 anos, é uma varanda para o esquecimento das obras da Transnordestina (Foto: Wagner Sarmento/TV Globo)
O terraço da casa de Luciano Bernardino, 36 anos, é uma varanda para o esquecimento das obras da Transnordestina (Foto: Wagner Sarmento/TV Globo)
Não é o que afirma o desempregado Luciano Bernardino, 36 anos. O terraço da casa dele é uma varanda para o esquecimento. São 20 vagões nos trilhos que passaram por cima do terreno da família. “Esses vagões estão abandonados aí faz uns seis meses. Ninguém aparece para tirar eles daí não”, assevera.
Luciano simboliza os sentimentos antagônicos que marcam a relação de Salgueiro com a ferrovia. A expectativa alimentada no início da obra foi atropelada pela frustração. Ele e mais três irmãos chegaram a trabalhar na obra, mas acabaram demitidos. Enxergam o futuro com ceticismo. “Eu era motorista de caminhão. No começo, eram só flores. Depois, vieram as consequências. Cheguei a trabalhar para três empresas. De repente, mandaram todo mundo embora e falaram que, se a gente quisesse nossos direitos, só na Justiça. Derramamos muito suor nessa obra”, lamenta.
Nenhum dos quatro irmãos conseguiu outro emprego. O auxiliar de produção Antônio Bernardino, 37, trabalhou por quase oito anos na construção da ferrovia. Ainda tem R$ 74 mil a receber. “Agora está ruim porque todo mundo ficou desempregado e as coisas começaram a apertar. Estamos vivendo da roça. O que a gente mais queria é que a obra voltasse”, diz ele, desempregado há oito meses. Em Salgueiro, é fácil ver pontos de comércio e serviço fechados, com placas de aluguel ou venda.
Vagões estão abandonados nos trilhos da Transnordestina, contam moradores (Foto: Wagner Sarmento/TV Globo) Vagões estão abandonados nos trilhos da Transnordestina, contam moradores (Foto: Wagner Sarmento/TV Globo)
Vagões estão abandonados nos trilhos da Transnordestina, contam moradores (Foto: Wagner Sarmento/TV Globo)
Na altura da cidade de Terra Nova, no sertão pernambucano, a paisagem rural é cortada por trilhos com cerca de 150 vagões abandonados, cheios de pedras. Junto a eles, três carcaças: uma de gado morto pela seca e dois caminhões fora de estrada depenados, sem condições de uso, com seus pneus gigantes retirados suas estruturas se deteriorando.
Por todo o percurso, os sinais de desgaste se anunciam. Por falta de manutenção, a erosão corrói estruturas, a ponto de algumas terem rachado ou se partido. Foi o que ocorreu num trecho da ferrovia em Araripina, sertão de Pernambuco, num viaduto que passa por cima dos trilhos.
A mais de 400 quilômetros dali, em Itaueira, sudoeste do Piauí, onde ainda não há ferrovia construída, somente terraplenagem, uma ponte sobre a rodovia PI-140 começou a ser erguida, mas o serviço ficou inacabado. Quem passa pelo local se depara com vergalhões enferrujando, pedras amontoadas, placas de concreto e uma estrutura de ferro deixada numa estrada de barro.
O destino da ferrovia no Piauí é o porto seco de Eliseu Martins, onde o acesso se dá por uma estrada de barro em condições precárias e a obra da Transnordestina se resume a uma clareira gigante aberta no meio do cerrado, sem trilhos, corroída pela erosão, com equipamentos deixados a céu aberto e nenhum rastro de construção.
Ramificações no Exterior

Delações da Odebrecht motivaram pedidos de cooperação internacional de sete países 

Peru, Argentina, México, República Dominicana, Colômbia, Equador e Venezuela enviaram solicitações à Procuradoria-Geral da República

Por: Estadão Conteúdo
25/04/2017 - 15h17min | Atualizada em 25/04/2017 - 15h17min
Delações da Odebrecht motivaram pedidos de cooperação internacional de sete países  NELSON ALMEIDA/AFP
Foto: NELSON ALMEIDA / AFP  
As delações premiadas da Odebrecht já motivaram sete países da América Latina a enviar à Procuradoria-Geral da República (PGR) um total de 19 pedidos de cooperação internacional. O Ministério Público desses países quer o compartilhamento de informações e provas apresentadas pelos executivos e ex-executivos do grupo baiano, para ajudar nas investigações paralelas que conduzem sobre o caso Odebrecht.
A Secretaria de Cooperação Internacional da PGR recebeu nove pedidos do Peru, três da Argentina, dois do México, dois da República Dominicana e um da Colômbia, um do Equador e um da Venezuela. Cada pedido se refere a um caso específico ou, ainda, a um complemento em relação a uma solicitação anterior.
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As solicitações começaram a chegar em janeiro, mês em que o Supremo Tribunal Federal (STF) homologou as delações dos 78 executivos.
O primeiro país a receber da PGR as provas que havia solicitado ao Brasil foi a República Dominicana. A remessa foi feita na quinta-feira passada, 20, após a homologação, dias antes, do acordo de colaboração do Grupo Odebrecht com aquele país.
O atendimento integral aos demais pedidos está em compasso de espera, em respeito a um prazo de 6 meses que foi dado ao Grupo Odebrecht para que possa firmar acordos de colaboração com outros países, até 1º de junho. No Peru e na Colômbia, as negociações estão avançadas. Se a homologação se der antes de junho, abre-se uma possibilidade de compartilhamento antes desse prazo.
As informações enviadas pela PGR poderão ajudar os países a ter acesso mais rápido a informações e provas, para aprofundar as investigações sobre os casos em sua jurisdição. No entanto, cada Ministério Público tem buscado obter provas separadamente, o que é justificável, entre outros motivos, pelo fato de que a PGR não se aprofundou necessariamente em todas as operações da Odebrecht no exterior.
A PGR, no entanto, identificou uma série de irregularidades no exterior. Um dos casos narrados pelos delatores da Odebrecht é o da Usina Hidrelétrica de Toachi Pilatón, no Equador, em que houve pagamento de cerca US$ 1 milhão em propina a um representante do Ministério de Energia do Equador para obter liberação para financiamento das obras.
Na semana passada, as autoridades equatorianas prenderam o ex-ministro de Eletricidade Alecksey Mosquera junto com um empresário identificado como Marcelo E, apresentando como prova depósitos de US$ 924 mil destinados a Alexcksey e US$ 80 mil ao empresário. O jornal O Estado de S. Paulo confirmou com a Fiscalía General del Estado del Ecuador que se trata do mesmo caso. Essas foram as primeiras prisões no país em relação à atuação da Odebrecht.
Este e outros casos internacionais foram encaminhados em petições ao Supremo Tribunal Federal pela PGR na "Lista do Janot", mas o relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, pediu esclarecimentos sobre a possibilidade de aplicar a lei penal brasileira no caso de crimes cometidos no estrangeiro. As decisões de Fachin sobre os casos sigilosos foram reveladas com exclusividade pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Desdobramentos
O secretário de Cooperação Internacional da PGR, Vladimir Aras, afirma que a colaboração entre países tem sido essencial para a obtenção de resultados. E isso inclui também os Estados Unidos e a Suíça, países que também têm investigado a Odebrecht. "Toda essa colaboração entre Suíça, Estados Unidos e Brasil com esses países latino-americanos tem produzido desdobramentos", afirma o secretário.
Além da homologação das delações no Brasil, houve na semana passada a homologação do acordo de colaboração da Odebrecht com os Estados Unidos, além da liberação de informações obtidas pela Suíça a partir do acordo que fizeram com o grupo baiano.
"Tudo vai repercutir já em outras jurisdições dada a dimensão global do esquema de corrupção. ê um esquema que operou de forma parecida no Brasil e em outros países. Se a empresa colabora no Brasil, no exterior deve ser assim também", disse o procurador, destacando benefícios conhecidos das delações: identificar agentes públicos que cometeram delitos e receberam vantagens indevidas, seja a pretexto de obras, seja a pretexto de campanhas eleitorais.
Os pedidos de cooperação internacional podem ser feitos por meio da Justiça ou diretamente entre as cúpulas do Ministério Público de cada país. "Em vários casos, o pedido é feito diretamente pelo Ministério Público estrangeiro, sem passar pelo Ministério da Justiça correspondente, porque lá eles têm plena autonomia à cooperação penal internacional, o que é muito bom", disse Vladimir Aras.