Rastro de abandono
De Salgueiro, a ferrovia segue para o porto seco de Eliseu Martins (PI)
e para os portos de Pecém (CE) e Suape (PE). Ao longo do percurso, os
rastros do esquecimento são visíveis. Mais de 200 vagões foram deixados
em cinco pontos diferentes – alguns com britas e dormentes, outros
vazios.
Há centenas de trilhos largados nos trechos em que a obra foi
interrompida, mato alto, estruturas de concreto rachando, passagens
desgastadas pela erosão e máquinas que ficaram pelo caminho e se
tornaram um monumento ao descaso com o dinheiro público num
empreendimento que custava, inicialmente, R$ 4,5 bilhões e até agora já
consumiu R$ 6,3 bilhões. O orçamento atual do projeto é de R$ 11,2
bilhões – o suficiente para construir 28 mil postos de saúde ou 12 mil
escolas.
A construção da Transnordestina começou em 2006 e, a princípio, deveria
ficar pronta em 2010. No auge, chegou a empregar 11 mil pessoas. Hoje,
são 829 trabalhadores, segundo a empresa que tem a concessão da malha
até 2057. A maioria, contudo, está de férias forçadas por causa de uma
suspensão da obra. Os oito canteiros que existiam foram reduzidos a
dois. Nenhum operário foi visto fazendo qualquer serviço na ferrovia.
De acordo com mapa da obra enviado pela Transnordestina Logística, a
ferrovia está pronta nos trechos entre Missão Velha (CE), Paulistana
(PI) e Custódia (PE). Mas, mesmo onde a construção foi finalizada, os
efeitos da paralisação podem ser sentidos. Num raio de 15 quilômetros do
canteiro industrial de Salgueiro, vagões enferrujados pelo caminho
chamam a atenção de quem passa. A Transnordestina diz que as carruagens
passam por manutenção e são constantemente deslocadas para evitar danos.
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O terraço da casa de Luciano Bernardino, 36 anos, é uma varanda para o
esquecimento das obras da Transnordestina (Foto: Wagner Sarmento/TV
Globo)
Não é o que afirma o desempregado Luciano Bernardino, 36 anos. O
terraço da casa dele é uma varanda para o esquecimento. São 20 vagões
nos trilhos que passaram por cima do terreno da família. “Esses vagões
estão abandonados aí faz uns seis meses. Ninguém aparece para tirar eles
daí não”, assevera.
Luciano simboliza os sentimentos antagônicos que marcam a relação de
Salgueiro com a ferrovia. A expectativa alimentada no início da obra foi
atropelada pela frustração. Ele e mais três irmãos chegaram a trabalhar
na obra, mas acabaram demitidos. Enxergam o futuro com ceticismo. “Eu
era motorista de caminhão. No começo, eram só flores. Depois, vieram as
consequências. Cheguei a trabalhar para três empresas. De repente,
mandaram todo mundo embora e falaram que, se a gente quisesse nossos
direitos, só na Justiça. Derramamos muito suor nessa obra”, lamenta.
Nenhum dos quatro irmãos conseguiu outro emprego. O auxiliar de
produção Antônio Bernardino, 37, trabalhou por quase oito anos na
construção da ferrovia. Ainda tem R$ 74 mil a receber. “Agora está ruim
porque todo mundo ficou desempregado e as coisas começaram a apertar.
Estamos vivendo da roça. O que a gente mais queria é que a obra
voltasse”, diz ele, desempregado há oito meses. Em Salgueiro, é fácil
ver pontos de comércio e serviço fechados, com placas de aluguel ou
venda.
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Vagões estão abandonados nos trilhos da Transnordestina, contam moradores (Foto: Wagner Sarmento/TV Globo)
Na altura da cidade de Terra Nova, no sertão pernambucano, a paisagem
rural é cortada por trilhos com cerca de 150 vagões abandonados, cheios
de pedras. Junto a eles, três carcaças: uma de gado morto pela seca e
dois caminhões fora de estrada depenados, sem condições de uso, com seus
pneus gigantes retirados suas estruturas se deteriorando.
Por todo o percurso, os sinais de desgaste se anunciam. Por falta de
manutenção, a erosão corrói estruturas, a ponto de algumas terem rachado
ou se partido. Foi o que ocorreu num trecho da ferrovia em Araripina,
sertão de Pernambuco, num viaduto que passa por cima dos trilhos.
A mais de 400 quilômetros dali, em Itaueira, sudoeste do Piauí, onde
ainda não há ferrovia construída, somente terraplenagem, uma ponte sobre
a rodovia PI-140 começou a ser erguida, mas o serviço ficou inacabado.
Quem passa pelo local se depara com vergalhões enferrujando, pedras
amontoadas, placas de concreto e uma estrutura de ferro deixada numa
estrada de barro.
O destino da ferrovia no Piauí é o porto seco de Eliseu Martins, onde o
acesso se dá por uma estrada de barro em condições precárias e a obra
da Transnordestina se resume a uma clareira gigante aberta no meio do
cerrado, sem trilhos, corroída pela erosão, com equipamentos deixados a
céu aberto e nenhum rastro de construção.
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